Tenho saudades tuas.
Às vezes gostava de conseguir escrever sempre que sinto a tua
falta, sempre que me relembro de ti, sempre que descubro algo novo para amar.
Gostava de conseguir escrever-te a toda a hora para nunca me esquecer de nenhum
fragmento teu, nenhuma nuance da tua essência que me ajude a manter-te perto,
mesmo estando tu tão longe. Mas não consigo – estás demasiado enraizado em mim.
Demasiado tudo.
Tu sabes que escrever é a minha catarse, o exorcismo dos meus
demónios, o esconjuro das minhas dores. E tu, tu sempre foste a minha virtude,
a melhor parte de mim. E eu admito, eu admito que tenho medo de te perder nas
entrelinhas dos meus sentimentos atropelados, de te escrever até à exaustão do
significado da saudade. Quero que permaneças incólume à erosão dos dias e à
melancolia das horas. Quero que continues em mim no teu expoente máximo, sem
cair na tentação de divinizar-te ou inventar-te como se faz aos mortos. Não
preciso disso, tu sempre foste suficientemente bom; na verdade, sempre foste
bem mais do que apenas suficiente. Eras inteiro e acho que isso diz tudo.
E eu lembro-me de quando te encostavas em mim e dizias que não
entendias a minha fé quase cega num deus tão mal acabado. E depois sorrias,
sorrias com o corpo todo e explicavas-me que não tinhas fé no meu deus
desastrado, mas em mim que tinha todos os sonhos do mundo nos olhos. E eu ria
como menina que era, porque a tua divinização da minha pequenez humana era
quase absurda. Mas acreditava. Acreditava em tudo o que me dizias, pela simples
razão de seres o que de mais verdadeiro tinha.
Hoje dou-te razão. Hoje também não entendo como tinha tanta
fé num deus que te roubou de mim. Um deus que nos matou aos dois e ainda teve o
descaramento de permitir que o meu coração moribundo continuasse a bater e a
lutar por uma vida que não valia metade sem a tua. Mas até na morte me deste
alento, até morto me deste algo em que acreditar. Hoje não tenho deus, tenho-te
a ti e às nossas memórias e vou rezando a um vácuo qualquer para que isso seja
suficiente.
Mas tenho saudades tuas. Terei sempre saudades tuas. Porque
nem a tua divinização me consola. Porque a tua imortalidade me parece distante
da minha realidade e custa-me não sentir o calor do teu abraço, a serenidade da
tua gargalhada. Porque tu eras o meu alicerce e não me posso erguer no
abstracto. Tenho saudades tuas, no fundo é só isso. E esse só já é demasiado. Demasiado como tu.